domingo, 14 de agosto de 2011

Encontro com o Mestre


Três de Julho e o espírito de mestre e discípulo

Edição 2095 - Publicado em 13/Agosto/2011 - Página A3

Parte 1


RECORDAÇÃO. Presidente Ikeda posa em frente a estátua Leão Sucessor, em Tóquio, fevereiro de 2009

PÔR DO SOL. Foto tirada pelo presidente da SGI, Dr. Daisaku Ikeda, em Osaka, dezembro de 2000
Valorizem o presente. Conforme disse o escritor alemão Johann Wolfgang von Goethe (1749-1832) ao seu jovem colega Johann Peter Eckermann (1792-1854): “Apeguem-se ao presente. Cada situação — ou melhor, cada momento — é de valor infinito”.2 Essas são as palavras de um verdadeiro mestre da vida que foi ficando cada vez mais vigoroso a cada ano que passava. E é também o mesmo espírito compartilhado pelos membros do Grupo Muitos Tesouros, os pioneiros de nosso movimento Soka.
O princípio budista dos três mil mundos num único momento da vida nos ensina que cada oportunidade contém possibilidades tão vastas quanto o universo. Nitiren Daishonin escreveu: “Como a vida não passa de um momento, o Buda expôs os benefícios que advêm de um único momento de júbilo [ao ouvir o Sutra de Lótus]” (Os Escritos de Nitiren Daishonin, v. 1 [END-1], p. 161).
Não deixe que o momento presente escape. Como se estivessem abrindo bem as janelas, expandam a vida ao máximo e manifestem a sabedoria cheia de alegria e o poder do Buda. A fé na Lei Mística nos permite fazer isso. Cada momento é um desafio; é uma batalha para vencer ou perder.
É um desperdício limitar seu potencial, bloqueando-se e deixando-se dominar pelo medo. Reúnam sua coragem. Desafiem a si próprios com um espírito entusiasmado e otimista.
Quando as coisas estão difíceis, incentivem calorosamente uns aos outros como bons amigos na fé e sigam resolutamente na direção da vitória. Manifestem o invencível poder do Buda e da Lei por meio do dinâmico poder da fé e da prática.
No aniversário deste dia 
[3 de julho],
Quando testemunhamos 
em primeira mão
a natureza diabólica do poder,
o espírito da Soka Gakkai
arde com ainda mais 
vivacidade.
O dia 3 de julho, uma data que faz meu coração arder, logo chegará novamente. Foi nessa data, 53 anos atrás, em 1957, que fui preso em Osaka por falsas acusações.
No final de junho, visitei Hokkaido para protestar por causa das ações injustas do Sindicato de Mineradores de Carvão de Yubari3 contra os associados da Soka Gakkai. Lutei por justiça em Yubari junto com os membros que se reuniram de todas as partes de Hokkaido em protesto contra essa violação dos direitos humanos.
A liberdade de religião e a liberdade de pensamento e crença são os próprios fundamentos da democracia. O dramaturgo Menandro (também Menandros), que viveu na Grécia antiga, escreveu: “Nós não devemos ceder às pessoas malvadas, mas sim nos opormos a elas”,4 e “É sempre melhor que diga a verdade. Em cada crise, recomendo essas palavras como uma importante contribuição para a segurança na vida.”5
Enquanto eu estava em meio a essa luta contra o sindicato de mineradores de carvão, o Departamento de Polícia Provincial de Osaka exigiu que eu comparecesse para depor. Assim que assegurei nossa vitória em Hokkaido, segui para Osaka a fim de limpar meu nome e fazer com que a justiça fosse feita. Quando cheguei ao distrito policial, fui imediatamente levado sob custódia.
Aquele dia 3 de julho foi quente e úmido. Coincidentemente, foi também em 3 de julho, doze anos antes, em 1945, que meu mestre, Jossei Toda, foi libertado da prisão, onde ele tinha ficado detido por sua oposição às exigências das autoridades militaristas japonesas durante a guerra. O Sr. Makiguti, que também havia sido preso, morrera na prisão no ano anterior, em 18 de novembro de 1944.
Herdando o espírito de seu mestre, o Sr. Toda saiu da prisão com uma indomável determinação de concretizar o ideal do Sr. Makiguti. Três de julho foi o dia em que ele jurou, em meio às ruínas carbonizadas de um Japão ainda em guerra, reconstruir a Soka Gakkai e concretizar o Kossen-rufu.
Três de julho é o Dia de Mestre e Discípulo — um dia em que os autênticos discípulos resolutamente se levantam sozinhos em prol da justiça. É o dia para os discípulos se dedicarem novamente à luta pela verdade, o dia em que eles dão mais um passo avante no caminho aberto com triunfo por seu mestre.
O filósofo alemão Frixdrich Nietzsche (1844-1900) fez esta criteriosa observação: “Qualquer pessoa movida pelos sentimentos altruístas de fundar algo grandioso cuida para criar herdeiros [para darem continuidade à sua obra].”6 Aqueles que só estão preocupados com seu próprio poder e glória não têm nenhum interesse em criar sucessores excepcionais.
Mas grandes empreendimentos dedicados ao bem-estar das pessoas e da sociedade devem ser passados para sucessores ou discípulos que darão continuidade ao trabalho de seus pioneiros. Essa foi a conclusão de Nietzsche.
O solene caminho de mestre e discípulo não é aquele em que os discípulos são levados nas costas do mestre, mas sim aquele em que caminham com as próprias pernas e avançam firmemente pelo mesmo caminho que o mestre. Estar determinado a empenhar-se com o espírito de unicidade com o mestre é a força motriz que permite que os discípulos trilhem esse difícil caminho ao longo da vida com determinação inabalável.
Quando fui preso em 3 de julho, eu tinha o mesmo pensamento e a mesma determinação que meu mestre, o Sr. Toda. E minhas convicções somente ficaram mais fortes durante esse período.
A ativista polonesa antiguerra Rosa Luxemburgo (1871-1919) também foi presa por seus ideais. Ela escreveu: “Não fui branda até então, mas agora sou tão dura quanto o aço temperado”.7 Enquanto estava na prisão, ela escreveu estas palavras para encorajar um amigo: “Não desanime!”8 e “Coragem, continuaremos a cumprir o que a vida reservou para nós, aconteça o que acontecer”.9 Ter coragem é manter-se positivo em todas as situações. É ser invencível e livre. Mas ser superado pela covardia é ficar preso e infeliz.
“Se quem está no poder deseja testar-me, então que me testem! Como um defensor Soka, não serei derrotado!” — esse é meu espírito. Três de Julho é meu eterno ponto primordial.
É o dia em que eu fiz o firme juramento de dedicar minha vida a proteger meu mestre, a Soka Gakkai e nossos membros.
Nitiren Daishonin escreveu: “O rei leão não teme nenhum outro animal, tampouco seus filhotes” (WND-1, p. 997), e “Meu desejo é que meus discípulos sejam os filhotes do rei leão, para que nunca sejam ridicularizados pela matilha de raposas” (WND-2, p. 1.062). Os mestres e discípulos Soka são todos, sem exceção, corajosos leões.
Leões não têm medo! 
Leões não são derrotados! Leões estão sempre alerta! 
Leões investem contra 
todos os desafios! 
Leões vencem!
Passou mais de meio século desde o dia 3 de julho de 1957. Recentemente (em 28 de junho de 2010), recebi o título de Doutor Honorário em Ciências Humanas da Universidade George Mason, nos Estados Unidos, uma instituição que mantém o supremo espírito de liberdade e independência proclamado pelos pais fundadores desse país. Aceitei humildemente essa homenagem como um reconhecimento por nossa luta triunfante pelos direitos humanos e dediquei-o ao Sr. Makiguti e ao Sr. Toda.
A Universidade George Mason leva o nome do estadista norte-americano George Mason (1725-1792). Em seu testamento, Mason fez esta referência a seus filhos:
“Encarrego-os... de nunca permitir que os motivos de interesse privado ou ambição induzam-nos a trair, nem que os terrores da Pobreza e da desgraça, ou o medo do perigo ou da morte impeçam-nos de manter a liberdade de nosso país, procurando transmitir aos seus descendentes os direitos sagrados pelos quais [eles] nasceram”.10
Em todas as épocas e lugares, aqueles que abandonaram seus ideais por causa de interesses pessoais ou por ambição, ou que traíram seus companheiros, causaram desgraça ao seu nome por toda a eternidade.
Os leões rugem. Em uma carta para a monja leiga Senniti, esposa de Abutsu-bo e um modelo para as integrantes de nossa Divisão Feminina de hoje, Daishonin escreveu: “Quando o rei leão... rugir, cem filhotes irão se sentir encorajados e a cabeça daqueles outros animais e aves de rapina [que procuram atacá-los] será dividida em sete partes” (cf. WND-1, p. 949).
Devemos falar com coragem, com vozes expressando sinceridade e convicção. Nossas palavras devem ressoar a verdade e a justiça que contrariam as mentiras daqueles que procuram enganar o povo.
Nossa missão, nosso propósito, é mudar a sociedade e o mundo de forma positiva por meio de um tenaz movimento popular baseado no diálogo.
Fernand Dumont (1927-1997), filósofo e sociólogo que lecionou na Universidade Laval em Quebec, Canadá, exortou as pessoas com fé religiosa a agirem na sociedade para construir um mundo melhor. Ele as exortou a mobilizarem seus concidadãos para que tomassem parte de uma discussão sobre como melhorar a sociedade.11
Para construirmos um mundo melhor, é importante falarmos o que é certo com coragem e vigor. Essa é a própria essência da democracia. Os membros da SGI estão tomando a liderança nesse esforço.
Em 3 de julho de 1957, quando viajei de avião de Hokkaido para comparecer para um interrogatório em Osaka, fiz uma escala no aeroporto de Haneda, em Tóquio, onde o Sr. Toda estava esperando por mim. Abraçando-me, ele disse preocupado: “Por favor, Daisaku, não morra! Se você morrer, correrei para o seu lado, irei me atirar à sua frente e acompanharei você na morte”. Fui tomado pela emoção.
Os laços de mestre e discípulo transcendem os limites desta existência. Enquanto meu mestre estiver em meu coração, sei que nunca serei derrotado.
Muito enaltecido pelo incentivo do Sr. Toda no aeroporto, comecei a me dirigir para o embarque no avião. Naquele momento, ouvi uma líder da Divisão Feminina de Tóquio me chamar: 
“Por favor, diga algumas palavras para que possamos transmitir aos nossos membros!” Respondi sem nem um momento de hesitação: “O alvorecer chegou ao Japão! Por favor, transmita esta mensagem aos membros!”
Nunca vou me esquecer dos membros da Divisão Feminina, as mães Soka, que naquele momento se ergueram corajosamente com o mesmo espírito que eu.
O ex-presidente tcheco Václav Havel, que tive o prazer de conhecer, também foi preso por suas crenças. Ao falar de sua experiência na prisão, ele disse: “Eu percebia com frequência que a esperança é, acima de tudo, um estado de espírito, e que, como tal, nós a temos ou não, e que isso não depende da situação ao nosso redor”.12
É quando somos confrontados com as maiores dificuldades que devemos desafiar a nós próprios com tenacidade e perseverança. Quando agimos assim, o sol da esperança nascerá em nosso coração e o alvorecer da vitória começará a irromper.
Nos Analectos, Confúcio diz a seu discípulo Tzu-kung: “O homem benevolente nunca se preocupa; o homem sábio nunca fica indeciso; o homem corajoso nunca tem medo”.13 Aqueles que se dedicam ao Kossen-rufu e vivem com coragem, compaixão e sabedoria são pessoas confiantes e intrépidas e possuem clareza de pensamento.
O corajoso espírito de luta conjunta — o espírito de mestre e discípulo que está incorporado no Três de Julho — nunca morrerá.
Louvo todos vocês
que estão avançando
por este nobre e 
grandioso caminho,
bradem com coragem 
pela justiça
assim como eu fiz.
Ensaio publicado no Seikyo Shimbun de 1o de julho de 2010
NOTAS: 
1. Shin-iti Yamamoto é o pseudônimo do presidente da SGI, Daisaku Ikeda.
2. Johann Peter Eckermann, Conversations of Goethe (Conversas de Goethe). John Oxenford, trad. JK Moorhead, ed. Nova York, Da Capo Press, 1998, p. 19. 
3. Incidente do Sindicato de Mineradores de Carvão de Yubari (1957): Um caso flagrante de discriminação religiosa em que os mineiros de Yubari, Hokkaido, foram ameaçados de perder o emprego por conta de sua filiação à Soka Gakkai.
4. Menandro, The Principal Fragments (Os Fragmentos Principais). Francisco G. Allinson, trad. Londres, William Heinemann Ltd., 1921, p. 313. 
5. Ibidem, p. 445. 
6. Friedrich Nietzsche, Human, All Too Human (1): A Book for Free Spirits (Humano, Demasiado Humano (1): o Livro para os Espíritos Livres. Gary Handwerk, trad. Stanford, Califórnia, Stanford University Press, 1995, p. 278. 
7. Rosa Luxemburgo, Gesammelte Briefe (Coletânea de Cartas). Berlim, Dietz Verlag Berlin, 1987, vol.5, p. 151. 
8. Rosa Luxemburgo, Letters to Karl and Luise Kautsky from 1896 to 1918 (Cartas a Karl Kautsky e Luise 1896-1918) Luise Kautsky, ed. Louis P. Lochner, trad. Nova York, Gordon Press, 1975, p. 222. 
9. Ibidem, p. 176. 
10. George Mason, The Papers of George Mason (Os Documentos de George Mason) Chapel Hill, Carolina do Norte, The University of North Carolina Press, 1970, v. 1 (1749-1778), p. 159. 
11. Cf. Fernand Dumont, Un t émoin de l’homme (Uma Testemunha da Humanidade). Serge Cantin, ed. Quebec: Editions de l’Hexagone, 2000, pág. 220. 
12. Discurso proferido em 5 de dezembro de 1995 na Conferência O Futuro da Esperança, realizada em Hiroshima. > 15 de setembro de 2010. 
13. Confúcio, The Analects (Os Analectos) . DC Lau, trad. Londres, Penguin Books, 1979, p. 128. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário