domingo, 4 de setembro de 2011

Encontro com o Mestre


Três de Julho e o espírito de mestre e discípulo

Edição 2096 - Publicado em 20/Agosto/2011 - Página A3

Parte 2

Membros da Poderosa Kansai!
Criando a história
juntos,
eu e vocês somos
sempre vitoriosos.
Em três de julho de 1957, a notícia de que eu havia sido preso por falsas acusações — no episódio que veio a ser conhecido como Incidente de Osaka2 — espalhou-se rapidamente por toda Kansai, ultrajando os membros.
Naquela época, assim como hoje, os companheiros de Kansai estavam completamente unidos no espírito de “diferentes corpos, uma única mente”. Eram todos um só em espírito até a última pessoa na linha de frente da organização local. Foi isso o que os tornou fortes.
Ao ficarem sabendo de minha prisão, eles se reuniram na sala de oração, na sede da Soka Gakkai de Kansai, em Osaka, e começaram a orar em forte uníssono. Todos oraram com fervor por minha segurança e para que a verdade prevalecesse, colocando em prática as palavras de Nitiren Daishonin que haviam estudado juntos: “Estou orando para que... o Sutra de Lótus e as dez filhas demônio o protejam..., orando com tamanha sinceridade, como se fosse produzir fogo a partir de madeira encharcada ou obter água do chão ressequido” (WND-1, p. 444).
Eu nunca vou me esquecer daqueles nobres amigos de Kansai que compartilharam de minhas alegrias e sofrimentos. Essa recordação continuará brilhando por toda a eternidade nas profundezas de minha vida.
No auge do verão de Osaka, fui submetido a repetidas ofensas durante os interrogatórios, realizados numa sala fechada. No entanto, permitiram que eu levasse para a cela um exemplar do Gosho, os escritos de Nitiren Daishonin. Ler sobre as grandes perseguições que o Buda sofreu fez minha provação parecer insignificante.
Eu estava seguindo o caminho de mestre e discípulo empenhado abnegadamente em propagar a Lei, assim como o Sr. Makiguti e o Sr. Toda tinham feito antes de mim. Era o nobre caminho do estabelecimento do ensino correto para a paz da nação, o qual eu estava lutando para abrir junto com meus queridos companheiros. Eu não podia, e não aceitaria, a possibilidade de derrota.
Ficou claro que o propósito das autoridades era atacar o Senhor Toda. Portanto, fiz a firme decisão de agir como um escudo e impedi-los de encostar um dedo sequer em meu mestre.
O Sutra de Lótus afirma que aqueles que propagam seus ensinamentos durante os Últimos Dias da Lei devem “ser pacientes” (LSOC10, p. 207) diante da perseguição. Esclarecendo esse ponto, Daishonin diz: “Agora Nitiren e seus seguidores , que recitam o Nam-myoho-rengue-kyo, pensam no Buda e [em seu decreto] e, por essa razão, eles respondem com paciência” (Cf. The Record of the Orally Transmitted Teachings [OTT], p. 86). Enquanto estivermos profundamente empenhados em cumprir o decreto do Buda de concretizar o Kossen-rufu, que é a essência da luta conjunta de mestre e discípulo, poderemos suportar qualquer coisa e vencer todos os obstáculos.
Uma noite, como os dias de duros interrogatórios continuavam, fui levado algemado do Centro de Detenção de Osaka para um prédio vizinho que abrigava o Gabinete da Promotoria do Distrito de Osaka. Meus direitos humanos mais básicos foram violados, pois fizeram com que eu desfilasse lá fora com as mãos algemadas. Quando as pesadas portas de ferro do centro de detenção foram abertas, um integrante da Divisão Masculina de Jovens de Tóquio estava lá. Sufocando lágrimas de raiva e antes de ter sido tomado pela emoção, ele conseguiu dizer: “O Senhor Toda está preocupado com você...”.
Eu disse a ele: “Eu estou bem. Estou aguentando bem. Por favor, diga isso ao Senhor Toda. Transmita minhas melhores recomendações a todos os nossos membros. Diga-lhes para não se preocupar!” Depois de transmitir essa breve mensagem, retomei minha luta contra as autoridades.
Aquele rapaz gravou em sua vida a lição de que o Kossen-rufu é uma grande batalha contra a natureza maligna do poder que procura explorar os outros. Ele se tornou um líder corajoso de nosso movimento na província de Saitama e na região de Kanto. Esse mesmo ardente espírito de luta foi herdado por nossos jovens de hoje.
Preocupados com meu bem-estar, muitos membros da Soka Gakkai se reuniram em frente ao Centro de Detenção de Osaka durante aquele período de julho. Integrantes da Divisão Feminina permaneceram de pé por horas em frente ao prédio naquele calor escaldante. Os jovens olhavam com raiva para as paredes espessas da detenção. Alguns derramaram lágrimas amargas. Lembrei-me das palavras que Nitiren Daishonin havia escrito em gratidão a um casal de idosos que arriscou a vida para ajudá-lo na ilha de Sado: “Sem nunca temer nem mesmo a punição dos oficiais da província, os senhores estavam prontos a se sacrificarem por mim” (WND-1, p. 596).
Cada um tinha o coração intrépido de um rei leão. Graças aos laços compartilhados por nossos corajosos componentes da Sempre Vitoriosa Kansai, a Soka Gakkai nunca será derrotada.
Propagar o Sutra de Lótus na era maléfica após o falecimento de Sakyamuni é descrito como sendo uma tarefa extremamente difícil. E é precisamente quando a luta para propagar a Lei está em seu estágio mais desafiador e importante que os Bodhisattvas da Terra devem avançar com máxima coragem.
No dia 11 de julho, uma semana depois de eu ter sido preso, uma líder da Divisão Feminina estava orando na sala de oração, na sede da Soka Gakkai de Kansai. Ela jurou perante o Joju Gohonzon, que contém a inscrição “Pela prosperidade da grande Lei e pelo cumprimento de todas as orações”, transformar Kansai numa localidade que iria triunfar em tudo. O juramento de Kansai de ser sempre vitoriosa começou com mulheres como ela.
O Incidente de Osaka uniu os Bodhisattvas da Terra em todo o Japão, os quais se levantaram junto com nossos companheiros de Kansai.
No dia 12 de julho, foi realizada a Convenção de Tóquio no Ginásio Nacional de Esportes, em Kuramae, Tóquio, para protestar contra minha prisão. O Senhor Toda condenou firmemente as ações despóticas das autoridades. Cerca de quarenta mil constituintes das províncias de Tóquio, Saitama, Kanagawa e Tiba reuniram-se para esse evento, lotando o ginásio. Havia sido lançada uma contraofensiva.
Antes de ir à convenção, o Senhor Toda recebeu um visitante na Sede da Soka Gakkai e passou algum tempo conversando com ele. Esse homem também havia sido preso na mesma época em que o Senhor Toda esteve no Centro de Detenção de Tóquio, em Sugamo, durante a Segunda Guerra Mundial. Declarando não temer nenhuma perseguição que pudesse acontecer a ele, o Senhor Toda disse para o visitante: “Meu discípulo foi detido em Osaka. Estamos indo realizar um protesto em Kuramae hoje à noite”.
A unicidade de mestre e discípulo, dos Bodhisattvas da Terra, apenas se torna mais forte quando testada pelos ventos furiosos da perseguição.
Aquele dia histórico, 12 de julho, é hoje comemorado como o Dia da Divisão Feminina da Região de Tóquio de Felicidade e Vitória.
Na manhã de 17 de julho, duas semanas depois de minha prisão e no dia da libertação, os componentes da Banda Musical se reuniram às margens do rio Dojima e começaram a tocar empolgantes músicas da Soka Gakkai, as quais eu podia ouvir da cela onde me encontrava no Centro de Detenção de Osaka.
Fui libertado pouco depois do meio-dia. As lágrimas que brilhavam nos rostos das centenas de membros que estavam esperando para me cumprimentar reluzem até hoje em meu coração como uma querida e inesquecível lembrança de minha amada Kansai.
Fui me encontrar com o Senhor Toda, que tinha viajado para Osaka, e juntos participamos naquela noite da Convenção de Osaka no Auditório do Centro Cívico de Nakanoshima.
Quando a convenção começou, às 18 horas, o céu claro de repente se anuviou e uma chuva torrencial começou a cair, seguida pelo ribombar de um trovão. Era como se a ira justa das pessoas estivesse repreendendo as autoridades arrogantes.
Cerca de vinte mil membros sinceros se reuniram para a convenção, provenientes de toda a Kansai e outras localidades da região oeste do Japão, incluindo as regiões de Tyugoku, Shikoku e Kyushu. Eles lotaram o auditório e até mesmo se espalharam pelo lado de fora. Nenhuma pessoa foi embora, apesar do tempo horrível. Todos os que ficaram do lado de fora permaneceram firmemente de pé na chuva durante toda a convenção.
Antes de subir ao palco, o Senhor Toda me pediu que minhas palavras fossem curtas por causa do julgamento relativo ao Incidente de Osaka, o qual seria em breve. Foi um conselho pertinente, e eu o segui. Dirigindo-me aos presentes, eu disse: “Vamos desafiar esse julgamento com a convicção de que o ensino correto do Budismo e aqueles que se empenham tenazmente na fé, defendendo firmemente o Gohonzon, certamente sairão vitoriosos”. Todos responderam com aplausos que abafaram o barulho do trovão.
Depois disso, o Sr. Toda disse-me: “Os membros de Kansai lutaram de forma magnífica. Não houve ninguém que tenha ficado indiferente ao saber de sua detenção. Foi uma maravilhosa mostra de união. Eles oraram com toda sinceridade, sentindo no coração uma ira justa. E fizeram o máximo para esclarecer tudo sobre a Soka Gakkai”. Ele declarou ainda: “Como resultado, nossa organização em Kansai ficará ainda mais forte. Os companheiros de Kansai deram um gigante salto para atingir um ilimitado estado de vida transbordante de boa sorte”.
O Senhor Toda confiou o futuro da Soka Gakkai à luta conjunta que eu e os membros de Kansai estávamos travando. Quanto mais forte fosse a tempestade, mais amplamente abriríamos nossas asas como discípulos lutando ao lado de nosso mestre e mais poderíamos capacitar Kansai a voar bem alto pelos céus da eterna vitória.
O filósofo francês Voltaire (1694-1778) disse: “Quando tentar fazer algo virtuoso, sempre terá inimigos. (...) Não há dúvida de que a inveja dos outros atingirá você”.3 E ele também disse: “A perseguição infame que você sofreu aumentará sua fama”.4 
É uma inevitabilidade histórica que os defensores da liberdade e dos direitos humanos sejam perseguidos por autoridades corruptas e tirânicas.
O ativista de direitos humanos argentino e ganhador do Prêmio Nobel da Paz, Adolfo Pérez Esquivel, com quem publiquei um diálogo, foi preso porque combateu os abusos contra os direitos humanos por parte da ditadura militar no poder em seu país. Foi uma época em que qualquer um que ousasse se opor à ditadura simplesmente “desaparecia” — essas pessoas eram retiradas de casa, executadas, e seu corpo, descartado. Ele passou todos os dias de sua prisão, que durou quatorze meses, vivendo com a constante ameaça de morte.
Um dia, o Dr. Pérez Esquivel foi subitamente colocado em um avião e parecia que ele seria lançado para fora da aeronave. Mas no último minuto o avião mudou de direção e sua vida foi poupada.
No final das contas, a ditadura militar não poderia mais ignorar os incansáveis esforços de muitos apoiadores do ativista, que pediam sua libertação. O desejo do povo pela paz e liberdade se transformou em uma grande onda que derrubou os grossos muros da ditadura e o Dr. Pérez Esquivel foi libertado, sob os aplausos do mundo.
A justiça prevaleceu no final. Foi a vitória da solidariedade do povo e um hino ao espírito humano. Recordando suas batalhas, o Dr. Pérez Esquivel disse: “Os seres humanos conseguem manifestar habilidades e competências extraordinárias quando se concentram em objetivos nobres tais como liberdade, paz e bem-estar das pessoas”.5
Eu também fui inocentado de todas as acusações relacionadas com o Incidente de Osaka quatro anos e meio depois de ter feito essa declaração na Convenção de Osaka. A primeira sessão do julgamento ocorreu em 18 de outubro de 1957 e os argumentos finais da acusação e da defesa foram feitos no dia 16 de dezembro de 1961. A sentença foi proferida em 25 de janeiro de 1962. Foram ao todo 84 sessões do tribunal. Depois de uma luta longa e difícil, a verdade venceu. Fomos vitoriosos.
Ao longo da história, quantas pessoas inocentes não foram falsamente acusadas e acabaram sofrendo por causa disso? Uma sociedade que prejudica os justos e inocentes e causa dor e sofrimento aos cidadãos decentes e trabalhadores deve ser transformada. Esse é o propósito de nossa luta para estabelecer o ensino correto para a paz da nação.
Qual é o maior orgulho dos três primeiros presidentes da Soka Gakkai? É o fato de termos lutado ao máximo contra a natureza maligna da autoridade para proteger a liberdade e a felicidade das pessoas e de termos vencido.
Daishonin declarou: “Se mestre e discípulo pensam diferente, eles nunca conseguirão realizar nada” (The Writings of Nichiren Daishonin [WND-1], p. 909). Três de Julho é um dia que sempre celebra o invencível espírito de mestre e discípulo unidos com determinação inabalável numa batalha total.
Furioso, igual uma cachoeira.
Incansável, tal como 
a cachoeira.
Destemido, igual a cachoeira.
Radiante, como a cachoeira.
Altivo, igual a cachoeira.
Homens, sejam assim! 
Tenham a personalidade 
de um monarca! 6
Este é um poema que compus no Desfiladeiro Oirase, que fica na região de Tohoku.7 Meus amigos da Divisão Sênior estão se esforçando corajosamente em seus empreendimentos, fazendo jus a essas palavras.
Quando penso nesse poema, lembro-me claramente de uma determinada cena — meus corajosos companheiros de Kansai do lado de fora do Centro Cívico de Nakanoshima no dia da Convenção de Osaka, clamando por justiça em seu coração enquanto uma chuva torrencial caía sobre eles como uma cachoeira. Todos eles eram campeões não aclamados e com o nobre porte dos reis.
Como uma cachoeira! Ferozmente, incansavelmente, sem nada temer, com alegria e altivez. Nós lutamos e nos empenhamos com o espírito dos campeões, conquistando uma vitória após outra.
Juntos, vamos conquistar novas e retumbantes vitórias em nosso movimento pelo Kossen-rufu com energia e alegria.
Vivam plenamente
e conquistem a vitória máxima,
obtenha sem falta
a eterna boa sorte
nesta existência.
NOTAS: 
1. Shin-iti Yamamoto é o pseudônimo do presidente da SGI, Daisaku Ikeda.
2. Incidente de Osaka: Em 1957, o presidente Ikeda, então responsável pela Secretaria da Divisão dos Jovens da Soka Gakkai, foi preso e injustamente acusado de ter violado a lei eleitoral em uma eleição suplementar para a Câmara dos Vereadores de Osaka. Ao final do processo judicial, que se arrastou por quase cinco anos, ele foi totalmente inocentado de todas as acusações.
3. Voltaire, Correspondance (Correspondência). Paris, Gallimard, 1987, (julho de 1772–dezembro de 1774), p. 90.
4. Voltaire, Oeuvres complètes de Voltaire (Obras Completas de Voltaire). Paris, Chez Furne, libraire-Editeur, 1837, v. 12, p. 153.
5. Diálogo do presidente Ikeda com o Dr. Adolfo Pérez Esquivel.
6. Daisaku Ikeda, Songs from My Heart (Cantos do meu Coração). Burton Watson, trad. Nova York, Weatherhill, Inc., 1997, p. 110.
7. A região de Tohoku compreende as províncias de Aomori, Akita, Iwate, Miyagui, Yamagata e Fukushima, localizadas na parte norte de Honshu, a principal ilha japonesa.

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